Garry Kasparov, que há 20 anos se tornou o primeiro campeão mundial de xadrez a ser derrotado por um supercomputador, pede licença para discordar do prêmio Nobel de física Stephen Hawking. Otimista, não acredita que humanos serão, um dia, destruídos por máquinas.
"Com todo o respeito, acho que esse futuro sombrio é mais uma jogada midiática do que uma previsão científica", disse ele, pouco antes de dar uma de suas palestras, no mês passado. Aposentado, o enxadrista de 52 anos dedica-se a demonstrar a aplicação da estratégia do xadrez fora dos tabuleiros.
Dali a uma hora, ele inauguraria o novo laboratório da Avast, uma fabricante de antivírus sediada na República Tcheca. Nos países do antigo bloco soviético, Kasparov, nascido no Azerbaijão, é um nome que ressoa –assim como ressoa sua relação com computadores.
"Gostam de lembrar do jogo que perdi, mas ganhei a guerra." Referia-se à partida de 10 de fevereiro de 1996 contra Deep Blue, um supercomputador da IBM. Kasparov ganharia três partidas e empataria outras duas contra o oponente de silício, mantendo o título mundial.
Um ano depois da disputa, a máquina, atualizado, venceu a revanche.
Campeão mundial desde 1985, ele não estava acostumado a perder. Deep Blue era algo diferente, no entanto. "Máquinas são um oponente com algum tipo de característica estranha", diz. "Hoje, elas são invencíveis por algo que nenhum ser humano pode superar: consistência."
Depois de muitos jogos de alto nível e de ter escrito um livro sobre a estratégia dos mestres que o inspiraram, Kasparov chegou à conclusão de que o xeque-mate está nos detalhes –e de que eles não fogem a olhos eletrônicos.
"Em nenhuma partida que joguei, nenhuma mesmo, houve grandes erros; apenas pequenas imprecisões –que não significam nada quando se está enfrentado um ser humano", afirma."Mas o nível de precisão e de vigilância que se requer para ganhar de uma máquina nunca se encontrou em um humano."
Agora, o enxadrista vê a inteligência artificial que o derrotou como uma questão de outra ordem, maior até do que reis e rainhas.
Há duas semanas, um supercomputador do Google foi capaz de derrotar o campeão europeu do jogo chinês Go, cuja lógica não se presta tão bem à força bruta dos algoritmos que jogam xadrez.
Para vencer no jogo de Kasparov, basta um sistema eficiente para testar, em pouco tempo, milhares (e talvez milhões) de jogadas. No tabuleiro chinês, é difícil descrever ao computador o problema e a solução. Nesse caso, foi preciso simular o funcionamento de neurônios em software e deixar que ele aprendesse sozinho.
O princípio das redes neurais e do aprendizado de máquina é o que está por trás do boom da inteligência artificial nos últimos anos, e alimenta desde assistentes virtuais, como a Siri, da Apple, até os carros autônomos do Google.
O AlphaGo é cria da britânica DeepMind, adquirida pelo Google para levar à gigante californiana cérebros humanos que pensam sobre cérebros de máquinas. E eles pensam muito em jogos.
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